sexta-feira, 12 de outubro de 2012


Anos de chumbo
União é condenada a reparar vítima de estupro na ditadura
A União foi condenada a reparar uma mulher vítima de estupro durante o regime militar de 1964 em R$ 100 mil. A decisão é da 3ª Turma do Tribunal Regional da 4ª Região, que confirmou sentença da Justiça Federal de Cascavel (PR). Ainda cabe recurso.
Filha de um líder partidário da oposição, ela tinha 16 anos quando foi violentada por um soldado do Exército na propriedade da família, ocupada por militares que queriam capturar seu pai.
De acordo com a ação, o crime foi cometido durante o movimento do chamado "Grupo dos 11", que partira do Rio Grande do Sul com destino a São Paulo em protesto contra a ditadura militar. A identidade do soldado é desconhecida. Sabe-se, no entanto, que ele integrava o contingente militar sediado em Leônidas Marques (PR), cuja missão era barrar o grupo.
O valor da indenização deverá ser acrescido de correção monetária e juros de mora de 0,5% ao mês, contados a partir da citação. De acordo com o voto da desembargadora federal Silvia Goraieb, acompanhado pela maioria dos integrantes da 3ª Turma, o pedido de indenização está previsto no artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal.
O dispositivo estipula que as pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. Para Silvia, a União não conseguiu provar que o fato não teria acontecido, limitando-se a informar através de ofício não existir "qualquer registro sobre o suposto ocorrido".
Como o fato aconteceu em um período de intensa censura e repressão política, destacou a desembargadora, "seria temerário que a autora procedesse ao registro de queixa em qualquer órgão policial civil, bem como uma verdadeira insanidade se o tivesse feito perante órgãos militares".
Assim, segundo Silvia, não é estranho a ausência de prova documental do delito. "Somente os tempos de hoje oferecem as necessárias condições de segurança para que determinados fatos venham à tona e sejam reparados", afirmou.
Também não foram refutadas pela União, destacou a desembargadora, as afirmações de que o pai da vítima era perseguido político e de que soldados estiveram na região para capturar pessoas tidas como opositoras ao regime. Silvia lembrou que tramita no Ministério da Justiça um pedido de declaração de anistiado político feito pelo pai da autora.
Além disso, não há contestação quanto às pesquisas históricas referidas pela sentença da Justiça Federal de Curitiba, "que confirmam a presença do Exército Brasileiro nos locais noticiados". Finalmente, Silvia considerou que a prova oral não deixa dúvidas de que a autora foi vítima de estupro, "que seus gritos foram ouvidos à distância e atraíram a atenção de dois depoentes, os quais saíram correndo para socorrê-la".
Para a desembargadora, a dor e o sofrimento vivenciados até hoje pela autora dispensam comprovação. "Não é crível aceitar que alguém possa passar por uma experiência desse porte sem sofrer abalos emocionais".
Processo 01062005.doc
Revista Consultor Jurídico, 2 de junho de 2005 

domingo, 10 de julho de 2011

Ex-soldados afirmam que Romeu Tuma integrou combate à guerrilha

O ex-diretor do Dops teria sido visto várias vezes na região e na época em que aconteceu a repressão aos militantes do PCdoB.

Os agentes da repressão que combatiam os guerrilheiros do PCdoB na região do Araguaia, na primeira metade dos anos 1970, eram conhecidos como “doutores” e, embora suas identidades verdadeiras fossem reveladas aos poucos, sempre se soube que eram militares. O tenente-coronel da reserva Sebastião Rodrigues de Moura, o major Curió, por exemplo, era chamado de doutor Luchini.

Algumas dessas identidades, no entanto, permanecem desconhecidas e podem esconder surpresas, como a participação de policiais civis de São Paulo na repressão do Araguaia. Esse seria o caso do doutor Silva ou Carlos, mais tarde identificado por ex-soldados e camponeses como o senador do PTB e ex-superintendente da Polícia Federal, Romeu Tuma, falecido em 2010. Na época da Guerrilha do Araguaia (1972-1975), ele integrava o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de São Paulo, órgão responsável pela repressão aos militantes de oposição à ditadura civil-militar instalada em 1964.

A Pública entrevistou um ex-mateiro, três ex-soldados e um ex-funcionário do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) – todos eles moradores da região do Araguaia – que afirmam que Tuma esteve na região no período entre 1972 e 1976. O ex-senador teria sido visto nas bases de Bacaba e Xambioá e na sede do DNER (Departamento Nacional de Estradas e Rodagem), locais onde guerrilheiros e camponeses eram torturados e mortos.

Abel Honorato de Jesus, o Abelinho, trabalhou como mateiro do Exército e, por isso, morou um tempo na base de Bacaba. Ele conta ter visto o “doutor Silva” muitas vezes. A primeira teria sido no segundo semestre de 1972, na própria base. “Ele vinha de helicóptero para todas as missões que aconteciam lá. Mas também vi ele no DNER”, diz. Na época, o DNER era conhecido como Casa Azul.

Abelinho acredita que a função do “doutor Silva” era “embalar e resgatar os corpos” dos guerrilheiros mortos nas operações. “Ele vinha para as operações das mortes”. Segundo o ex-mateiro, Tuma “mandava no pessoal do Dops que fazia a bravura, que batia. Era ele que mandava”, garante.

Despachantes mortos
O ex-soldado Manoel Messias Guido Ribeiro servia na base de Xambioá e afirma ter visto o “doutor Silva” pela primeira vez em maio de 1974. “Ele chegou num avião Búfalo [da FAB]. O doutor Luchini [Curió] também estava lá. Ele e o Luchini não falavam com quase ninguém”. Guido diz que sempre que havia um prisioneiro na base, “Silva” aparecia. Ele também afirma ter visto o ex-delegado na sede do DNER e no Quartel 52 Bis “E a história que existia era que ele que preparava os corpos para dar despacho. Diziam assim: ‘O doutor Silva está despachando os mortos hoje’”.

Outro ex-soldado, Antonio Adalberto Fonseca, corrobora a afirmação do colega. Segundo ele, quando o “doutor Silva” aparecia em algum lugar, “era porque ia morrer ou já tinha morrido gente, ou na Bacaba, ou em Xambioá, São Geraldo ou Casa Azul”, sustenta. O ex-soldado Fonseca afirma que a primeira vez que viu Tuma foi em 1974, na base de Xambioá. “Ele usava roupa de civil, calça jeans, camiseta branca e camisa de linho por fora”.

Guido relata que a primeira vez que viu um guerrilheiro foi também em maio de 1974, quando Daniel Ribeiro Callado, o Doca, foi preso em Xambioá. “Eu cheguei lá e ele estava amarrado num pau, em frente ao comando. Ele estava machucado, tinha sido torturado. Estava calmo, falava baixo”. O ex-soldado conta que o guerrilheiro era um homem simpático, de cabelo liso, e que estava bronzeado. “Conversamos muito, perguntei a ele o que era ser guerrilheiro, e ele disse que estava atrás de liberdade”.

Guido garante que nessa ocasião Romeu Tuma esteve no local. “Chegaram, tiveram uma reunião no comando e voaram de novo para o lado de Marabá”. Depois, conta Guido, Daniel foi levado para a serra das Andorinhas, onde seria assassinado. Outros testemunhos que constam no processo do Araguaia confirmam a presença de Daniel em Xambioá mas o episódio de sua morte tem outra versão, apresentada por um militar à juíza Solange Salgado em sigilo. O guerrilheiro teria sido preso em Araguatins, após atravessar o rio Araguaia. Em seguida, teria sido levado para a base militar em Bacaba, onde morreria em julho de 1974.

Algemado e branco
Guido também teria visto Romeu Tuma no S2, Serviço de inteligência do Exército. “Entrei lá para levar um material para o sargento Cleiton. Quando entrei numa sala, tinha um cidadão algemado e branco numa cadeira e o Silva estava lá”.

Todos os entrevistados que afirmam ter visto Tuma na região do Araguaia na época da guerrilha descobriram seu nome e função verdadeiros na década de 1980, quando o viram na televisão como chefe da Polícia Federal. “Quando eu vi ele na tevê, pensei: ‘ah, olha o doutor Silva’”.

O livro “Habeas Corpus – Que se apresente o corpo”, da Secretaria dos Direitos Humanos, também faz referência à presença do ex-senador no local: “Segundo relatos recentes de moradores coligidos pela ouvidoria do GTT, existe a menção de que o conhecido delegado Romeu Tuma teria comandado uma equipe deslocada para o Araguaia para promover a remoção de cadáveres usando o nome de Delegado Silva”.

Em sua atuação na região do Araguaia, o pesquisador Paulo Fonteles Filho, do Grupo de Trabalho do Araguaia (GTA), ouviu o relato de Abelinho e outros ex-mateiros que identificaram o ex-senador Romeu Tuma como um dos ‘doutores’ que combatiam a guerrilha. Seu relatório consta do processo que investiga o desaparecimento dos guerrilheiros do Araguaia.

Em 2009, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil contra Romeu Tuma com a acusação de ocultação de cadáveres de militantes políticos durante a ditadura militar (1964-1985). Segundo o processo, desaparecidos políticos foram sepultados nos cemitérios de Perus e Vila Formosa, em São Paulo, de forma “ilegal” e “clandestina”, com a cumplicidade do Instituto Médico Legal (IML) e da prefeitura local.

A ação ressalta a participação nas operações de agentes do Dops paulista, comandado por Tuma entre 1977 e 1983. O MPF alegou a existência de documentos que comprovam a ocorrência de interrogatórios sob tortura na instituição e que demonstram que o ex-senador tinha conhecimento das várias mortes ocorridas sob a tutela de policiais comandados por ele mas não as comunicou aos familiares dos mortos.

Autoridades
Quem também afirma ter conhecido o ex-delegado Romeu Tuma no Araguaia, mas com o nome de “doutor Carlos”, é o ex-militar e ex-motorista do Exército Valdim Pereira de Souza: “Eu dirigi bastante para ele e para o Curió. Os dois eram os chefões lá. A gente achava que eles eram autoridades porque quando eles chegaram no quartel, vinham de helicóptero, que pousava no meio do pátio”. Valdim teria conhecido Tuma em 1975, após o final da guerrilha. Ele conta que entre os soldados, “doutor Carlos” era conhecido como ‘cara de cavalo’, devido ao formato de seu rosto. “Ele tinha uma cara grandona”.

Os destinos de “doutores” eram os mais variados, e o objetivo era sempre buscar um prisioneiro para levar para o quartel do batalhão 52 bis ou para o DNER. “Não dava para ver se o preso era morador ou guerrilheiro, porque eles iam vendados, com capuz, e alguns algemados”.

Valdim também relata que na época da “Operação Limpeza”, em 1976, o“doutor Carlos” estava sempre por lá. “Mas ele não demorava muito. Aí sumia, passava um tempo e aparecia de novo”.

João Mendes Vilarins é mais um dos moradores da região do Araguaia que afirma ter conhecido Romeu Tuma como “doutor Carlos”. Ele trabalhava como pedreiro e carpinteiro do Incra quando teria visto Tuma pela primeira vez na sede do instituto, em 1975. Vilarins afirma que foi contratado para reformar uma casa no bairro do Novo Horizonte, em Marabá, onde a Polícia Federal se instalaria.

“A casa era para ele trabalhar lá. Reformamos o prédio e ele foi para lá. Na casa, eles tinham umas argolas chumbadas no chão para prender gente”. No período da reforma, ‘doutor Carlos’ teria ido duas ou três vezes na casa. “Depois, não vi mais ele. Só muitos anos depois, na tevê, primeiro como chefe da Polícia Federal e depois como deputado federal”.

Diretor do Dops
Romeu Tuma ingressou em 1951 na Polícia Civil de São Paulo, e em 1967 tornou-se delegado. Dois anos depois, passou a trabalhar com no Serviço de Inteligência do Dops, que passou a dirigir em 1977. Exerceu o cargo até 1983. Apesar do órgão ter se notabilizado por ser um local de torturas, Tuma dizia desconhecer a existência de tais práticas na unidade, bem como de assassinatos e desaparecimentos.

Em 1983, com a extinção do Dops, assumiu o cargo de superintendente da Polícia Federal em São Paulo e levou consigo os arquivos do órgão de repressão. Em 1986, tornou-se diretor da Polícia Federal em Brasília. Anos depois, foi acusado de “arrumar” os arquivos do Dops antes se serem tornado públicos, retirando documentos importantes para o esclarecimento de crimes. As fraudes teriam ocorrido quando o ex-presidente Fernando Collor de Mello se propôs a entregar, ao governo de São Paulo, os arquivos do Dops.

Na época, o arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, afirmou ter recebido denúncias de que os arquivos estavam sendo esvaziados, motivando uma vigília de vítimas e famililares de vítimas da ditadura em frente à sede da PF, em São Paulo. À época, alguns familiares como Suzana Lisbôa, constataram que havia arquivos inteiros esvaziados, entre eles o que mantinha a etiqueta “colaboradores” e “Araguaia”.


Fonte: Agência Pública e http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=158383&id_secao=1

terça-feira, 17 de maio de 2011

Crônica de um Ex-Soldado do Araguaia

Por Sezostrys Alves da Costa

           Um ex-soldado, que combateu no Araguaia, reportou-nos que assim que ingressou no serviço militar, em janeiro de 1973, aos vinte anos de idade, foi prestar serviço no Centro de Formação de Artilharia, em Goiânia (Go). Pouco depois, fora designado, juntamente com outros 200 soldados, para a Base Militar de Xambioá, à época Goiás, hoje Tocantins.
Sem inicialmente saber o que de fato iria fazer, e qual seria a missão na região, só quando chegou é que foi ter a dimensão do trabalho que teria pela frente e lá, como muitos outros, passou por humilhações de diversos tipos, praticadas por oficiais superiores. Os relatos sobre esses soldados estão começando a ser contados, como num preâmbulo para a vindoura Comissão da Verdade.   
               O ex-soldado, que pede para não ser identificado pelo medo de um passado sangrento, relata que toda vez que iria se iniciar alguma missão, a Polícia Federal e o Exército, através dos seus comandantes faziam um amiudado planejamento das ações.  Tudo, segundo tal memória, se iniciava apartir destes dois órgãos. Depois de tudo traçado é que eram  convocados os outros comandantes da Marinha, Aeronáutica e PMs de Goiás e Pará.
Todos, absolutamente todos, tinham tarefas diante do curso de cada missão.
Os soldados rasos, como eles eram conhecidos e alcunhados pelos oficiais, tinham a missão de fazer sentinela de presos que estavam na base, tais presos podiam ser lavradores suspeitos de serem guerrilheiros ou amigos dos rebeldes ou simples moradores acusados de terem simpatia ao movimento insurgente.
Um outro fator, é que os mesmo soldados faziam a segurança para o alto comando na Base de Xambioá.  
Como em toda guerra, os militares têm suas táticas, métodos e práticas e no Araguaia não foram diferentes.
O método mais terrível para elucidar o movimento guerrilheiro era a tortura que vitimou não só os integrantes diretos das Forças Guerrilheiras do Araguaia, mas também, e principalmente, centenas de camponeses pobres que residiam naqueles sertões do Araguaia.
Aqueles soldados que prestavam serviço para o altíssimo comando militar podiam ouvir, dentre outras coisas que, os corpos “dos terroristas” nunca seriam encontrados pois o local onde eles eram enterrados era de tipo muito fundo, sempre na vertical, em cisternas ou poços.
Este dado é absolutamente novo. Por noites e dias, os soldados ouviam as reuniões periódicas dos “doutores” e oficiais. Podiam, inclusive, registrar um medo daqueles tempos manifestados por estreludos generais: caso um desaparecido fosse encontrado, todos seriam.  
 Acredito, diante da inédita revelação, que o local em que os presos ficavam depois das torturas, na sala do comando, onde era uma cisterna, possa ser o tão falado cemitério clandestino da Base de Xambioá. O ex-soldado informa que este local era muito fundo.
Um tipo diferente de sepultamento pode ter ocorrido no Araguaia, a inumação vertical. Os corpos dos combatentes eram colocados em pé, e/ou jogados em buracos, ficando amontoados, onde eram enterrados, com profundidade ainda não precisa, mas é sabido que estes locais são bastante fundos para dificultar a localização dos restos mortais.
O fato é que tal informação abre, no contexto da reformulação das buscas no Araguaia – sai Grupo de Trabalho Tocantins, entra Grupo de Trabalho Araguaia - o necessário aprofundamento de nossas perspectivas, pois emerge a necessidade de que seja realizada uma investida ainda mais rigorosa nos locais onde já foram realizados trabalhos de escavação.
Falo isso me referindo aos próprios cemitérios da região e as Bases de Xambioá e Bacaba. Introduzo, ainda, a antiga Pastorisa, fazenda onde hoje é a Base de Selva Cabo Rosa.
 Nos últimos meses alcançamos avanços no sentido de ouvir ex-soldados dispostos a colaborar, contando o que sabem e presenciaram no decorrer dos combates no Araguaia. Alguns, corajosamente, se reportaram as terríveis operações-limpeza.
Agora, com a reestruturação, com o ingresso do Ministério da Justiça e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, além do próprio Ministério da Defesa, fica mais evidente que o governo de Dilma Roussef quer, de uma vez por todas, resolver a histórica pendência dos desaparecidos políticos brasileiros.
Sentimos, mais do que nunca, que estamos diante de um importante momento para consolidarmos a nossa democracia e a criação da Comissão da Verdade vai nos permitir construir um país diferente, com a consciência de saber erigir seu próprio futuro.   

SEZOSTRYS ALVES DA COSTA
Membro do Grupo de Trabalho Araguaia – GTA
Indicação do PCdoB.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Ex-motorista se diz ameaçado por Curió, o carrasco do Araguaia

O coronel Sebastião Curió quer, a todo custo, inviabilizar os trabalhos do Grupo Tocantins, que busca localizar corpos de militantes da Guerrilha do Araguaia que ainda estariam enterrados na região. Um de seus alvos é Valdim Pereira de Souza, ex-motorista do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Marabá e colaborador do Exército durante o regime militar (1964-1985).

Na semana passada, Valdim prestou um depoimento em Marabá (PA) em que acusa Curió de usar pessoas a ele ligadas para ameaçá-lo de represálias caso forneça informações ao Grupo Tocantins. A guerrilha ocorreu nos anos 70 e pregava uma revolução das massas camponesas para derrubar a ditadura.

Ao combater o movimento à margem da lei, o Exército envolveu uma série de pessoas, como Valdim. Cabia a ele recolher ossos humanos de guerrilheiros assassinados pelo Exército região.

Agora, mais de 35 anos depois do fim da guerrilha, Souza recebe várias ameaças para ficar calado. Em dezembro do ano passado, em três ligações telefônicas para seu celular, ele foi aconselhado a “fechar a boca para não dizer besteiras”. Numa das ligações, enfrentou quem o ameaçava: “Olha, nós não temos mais nada a perder”.

A mãe do motorista também atendeu a um telefonema ameaçador em Macapá, onde o motorista morava: a voz advertia para ter muito cuidado com o que andava falando. Em depoimento gravado num vídeo, Souza afirma que, para ele, Curió está por trás das ameaças. O motorista diz que fala com conhecimento de causa, porque já trabalhou para Curió por sete anos, entre 1976 e 1983, quando o ex-patrão comandou com mão de ferro o garimpo de Serra Pelada.

“O Curió é corajoso e me disse certa vez que quem fala muito morre”, contou, revelando que o ex-agente do SNI queria que Souza fizesse coisas que não gostava, como seguir e escutar pessoas, inclusive amigos do motorista. E dizia para ele que “inimigo bom é inimigo morto”.

Limpeza
Um dos quatro ouvidores do Grupo de Trabalho do Tocantins e ex-representante do Pará junto ao Ministério da Defesa, no Programa Federal Comissão da Verdade, é Paulo Fonteles Filho. Há vários anos, ele luta para encontrar os corpos de guerrilheiros que militavam no PCdoB, integrando uma força-tarefa de agentes federais.

Fonteles pediu a ex-soldados e outros militares das Forças Armadas, que hoje colaboram com o governo federal para localizar as vítimas, que denunciem as ameaças que também estariam sofrendo. Para Souza, as ameaças não podem ficar impunes. Ele diz que ainda há militares, principalmente do 52º Batalhão de Infantaria de Selva, de Marabá, que tentam negar que no quartel daquela unidade do Exército pessoas foram torturadas. Ele afirma que os ex-militares que colaboram com o Grupo Tocantins estão sendo vigiados.

Em 1976, segundo o depoimento de Souza, ele participou da “Operação Limpeza”, denominação militar para o resgate de corpos e ossadas de guerrilheiros mortos na região. “Não tínhamos o direito de saber o que fazíamos, apenas cumprir a nossa obrigação e as determinações superiores”, revela.

O trabalho dele era dirigir uma caminhonete do Incra. Era um carro descaracterizado, com placa fria. Foi várias vezes a Castanhal da Viúva, mas percorria também localidades como Bacaba, São Geraldo, São Domingos, Brejo Grande e Palestina.

A missão era trazer para a sede do antigo Departamento Nacional de Estradas e Rodagens (DNER), em Marabá, vários sacos amarrados com um cordão. Os sacos pesavam cerca de 100 quilos e dentro, soube depois, por servidor do próprio DNER conhecido por “Pé na Cova”, havia ossos humanos. O cheiro era insuportável. Os homens do Exército que comandavam a operação eram o doutor Luchini (Sebastião Curió) e os sargentos Santa Cruz e Ribamar.

Quem participava da “Operação Limpeza” era proibido de perguntar o que havia dentro dos sacos. Souza declarou que fez quatro viagens para transportar os sacos com as ossadas. Hoje, ele relembra, quem colaborou com o Exército “mal consegue levantar da cama, já morreu ou está muito doente, sem nada”. E desabafa: “não fizemos isso de livre e espontânea vontade, mas de livre e espontânea pressão”.

Da Redação, com informações do Diário do Pará